Vamos voltar consideravelmente no tempo, 10 milhões de anos atrás, quando primatas pré hominídeos habitavam o globo terrestre. Esses animais se alimentavam basicamente de pequenos frutos. E até por serem mais gostosos, procuravam frutos frescos, recém colhidos. Todavia, o acesso aos alimentos não era tão fácil naquele tempo. Muitas vezes, captar um fruto fresco era tarefa difícil, fato esse que obrigava esses seres pré hominídeos a ingerir frutos secos ou em inicio de apodrecimento. E esses alimentos, inexoravelmente, estavam passando pelo processo de fermentação. A fermentação nada mais é que a transformação de açúcares em álcool. Em outras palavras, esses primatas estavam acostumados (por questões de sobrevivência) a consumir alimentos que continham álcool. E como isso seria possível? O álcool não é danoso ou inflamatório para o nosso organismo? Antes de mais nada, devemos definir como funciona, organicamente falando, uma substância inflamatória. A grosso modo, inflamatório é todo aquele elemento que, quando ingerido, é taxado como inimigo pelo nosso organismo. Ou seja, são os alimentos cujos quais nosso sistema metabólico não é capaz de digerí-los. Isso faz com que nossa rede defensiva libere inúmeras substâncias para combater esse intruso. E isso acabará danificando diversas células nos mais variados órgãos de nosso corpo. Portanto, caso o nosso organismo não fosse capaz de quebrar as moléculas de etanol, o álcool poderia ser considerado inflamatório e, por conseguinte, danoso. Aliás, tal afirmativa também é corroborada por Carrigan MA et al (Carrigan MA et al. Hominids adapted to metabolize etanol long before human direct fermatation. Proc Natl Acad Sci EUA. 13 de janeiro de 2015;112(2):458-63.doi: 10.1073/pnas.1404167111. Epub 2014, 1º de dezembro). Se nosso sistema metabólico não digerir certa substância, ela será considerada inflamatória. Então como os primatas de 10 milhões de anos atrás conseguiam consumir alimentos com álcool em sua composição?
Carrigan et al em estudo genômico de 2015 trouxeram a resposta a esse questionamento. Em contraponto as teorias de que o alcoolismo é uma doença e uma situação inflamatória pelo fato de que o homem não teve tempo evolucional o suficiente para se adaptar ao consumo de álcool (que teria tido seu início juntamente com a agricultura há, mais ou menos, 10 mil anos) os pesquisadores concluíram que, por necessidade, os primatas pré hominídeos passaram por uma mutação que fez com que as enzimas ADH4 (álcool desidrogenase) aumentassem dramaticamente sua atividade contra o etanol. Essa mudança fez com que os primatas atuais (juntamente com os homens) adquirissem a capacidade de consumir álcool em quantidades moderadas, as mesmas encontradas nos pequenos frutos em processo de fermentação há milhões de anos atrás (Carrigan MA et al. Hominids adapted to metabolize etanol long before human direct fermatation. Proc Natl Acad Sci EUA. 13 de janeiro de 2015;112(2):458-63.doi: 10.1073/pnas.1404167111. Epub 2014, 1º de dezembro).. Portanto, o nosso organismo se adaptou ao consumo de álcool, não sendo essa susbtância, desse modo, inflamatória. Ademais, a ingesta moderada de álcool pode trazer benefícios ao nosso organismo, fato esse confirmado por diversos estudos. O periódico JAMA publicou em 2002 um ensaio clinico que atesta que o consumo diário de álcool tem efeitos benéficos nas concentrações de triglicerídeos e insulina e melhoram a sensibilidade a tal hormônio (Davies MJ, Baer DJ, Judd JT, Brown ED, Campbell WS, Taylor PR. Effects of moderate alcohol intake on fasting insulin and glucose concentrations and insulin sensitivity in postmenopausal women: a randomized controlled trial. JAMA. 2002 May 15;287(19):2559- 62). Steiner JL et al concluíram que o consumo moderado de álcool pode ter efeitos potencialmente benéficos no sistema cardiovascular e em outros tecidos, fato esse que não ocorre com o consumo exagerado (Steiner JL et al .Impact of Alcohol on Glycemic Control and Insulin Action. Biomolecules. 2015 Dec; 5(4): 2223–2246. Published online 2015 Sep 29. doi: 10.3390/biom5042223). Conclusão semelhante é o obtida em meta análise promovida por Schrieks IC et al. Esses autores pontuam que “embora os estudos tenham amostras pequenas e tenham curta duração, as evidências atuais sugerem que o consumo moderado de álcool pode diminuir as concentrações de insulina em jejum e hemoglobina glicada entre indivíduos não diabéticos” (Schrieks IC et al. The effect of alcohol consumption on insulin sensitivity and glycemic status: a systematic review and meta-analysis of intervention studies. Diabetes Care. 2015 Apr;38(4):723-32. doi: 10.2337/dc14-1556). E Shai I et al afirmaram que o consumo moderado de álcool promove benefícios metabólicos a pacientes com diabetes (Shai I et al. Glycemic effects of moderate alcohol intake among patients with type 2 diabetes: a multicenter, randomized, clinical intervention trial. Diabetes Care. 2007 Dec;30(12):3011-6. doi: 10.2337/dc07-1103. Epub 2007 Sep 11). Portanto, fica muito claro que a mutação da ADH4 sofrida por nossos ancestrais há mais de 10 milhões de anos não só ajudou a promover a sobrevivência em uma época inóspita mas também fez com que nosso organismo atual não mais encare o etanol como algo inflamatório ou prejudicial. Muito pelo contrário. O consumo moderado de álcool nos oferta diversos benefícios metabólicos. Mas lembre-se. Consumo moderado.
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